Projetos de Lei buscam reconhecimento de bens que fazem parte da história da cidade

Corolário, termo estranho do nosso vocabulário, não é mesmo? Ele nada mais é que uma situação que ocorre a partir de outras. A pedra lançada em águas calmas terá, como corolário, a formação de ondulações.

Mas não é disso que vamos tratar, pedras e ondinhas na água, mas sim da cultura e história betinense que buscam, em projetos de Lei do vereador Dudu Braga (PV), reconhecimento de oito bens públicos e uma instituição musical (tombados pelo Conselho Deliberativo que trata do assunto), como patrimônios culturais da cidade por parte do Legislativo. São eles: o conjunto urbano da Colônia Santa Isabel, a capela de Nossa Senhora do Rosário, a Casa de Cultura Josephina Bento, a Corporação Musical Nossa Senhora do Carmo, a usina hidrelétrica Dr. Gravatá, o museu Paulo Araújo Moreira Gontijo, o Mercado Central de Betim (CEABE), a estação ferroviária Capela Nova e a capela de São Sebastião.

Para alguns, principalmente técnicos ou estudiosos do meio, um bem tombado é, por sua vez, um patrimônio cultural; mas, para grande parte da população, uma coisa não está ligada a outra. Há quem nem saiba o que é um bem tombado. Mas, terminologias distintas, trazem interpretações também diferentes no imaginário popular mesmo quando estamos falando de coisas semelhantes na teoria. Neste caso, tombamento e reconhecimento como patrimônio cultural se completam. Corolários, analogias, por assim dizer.

“O primeiro, pensa principalmente em sua história e preservação. O segundo, por sua vez, visa a promoção deste bem e a criação de políticas públicas em um âmbito macro. Veja o exemplo de cidades históricas como Ouro Preto, Sabará, que não só preservam seus bens tombados, como fazem dos patrimônios culturais formas de promover o turismo em âmbito internacional e, com isso, fazer da cultura uma das principais fontes de receita”, cita o vereador.

Em um mundo que se divide entre o fat e o fitness, há quem brinque: um homem sem barriga é um homem sem história. Tudo bem, pedimos desculpas pela metáfora um pouco esdrúxula. Mas a fizemos no sentido de trazer a reflexão de que uma cidade sem reconhecimento e promoção dos bens que fazem parte de seu surgimento e desenvolvimento, é também uma cidade que, aos poucos, perderá sua memória. Resgatar o passado, preservar o passado, manter viva sua relevância no presente, promover seu reconhecimento de diversas formas no futuro.

“Esse foi um dos motivos para que eu apresentasse os projetos de lei. Para que estes bens tombados possam também ser trabalhados no sentido de promover a história de cidade com ações que envolvam cultura, educação, esporte, em resumo, políticas públicas”, reitera Braga.

Benefícios

Quando um bem é tombado e, mais que isso, reconhecido como patrimônio cultural, alguns benefícios podem ser alcançados, mesmo que insuficientes. De acordo com levantamento obtido junto à Fundação João Pinheiro, em 2020, foram destinados cerca de R$ 196 mil ao Patrimônio Cultural de Betim (R$ 195.808,87). É o ICMS Cultural, proveniente da Lei Robin Hood, que define a forma como parte deste imposto arrecadado em Minas Gerais deve ser distribuído aos municípios. Este repasse é protegido pela Constituição Federal. Em janeiro e fevereiro deste ano, o montante foi de R$ 49.943,07. Os dados são de domínio público e podem ser consultados no site da instituição.

De acordo com Dudu Braga, que foi presidente da extinta Funarbe (agora, secretaria de Cultura), “o valor investido em preservação e manutenção dos patrimônios municipais sempre foi superior aos repasses ao longo dos últimos quatro anos, mostrando que o poder Executivo dá o merecido cuidado aos bens públicos que fazem parte da história da cidade”.

Deixar de pagar o IPTU é outro exemplo de benefício que um bem tombado conquista. E nem toda edificação tombada precisa estar sob os cuidados do poder público. Ela pode ser também uma propriedade privada, desde que passe por todo o estudo técnico do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural ou do órgão a quem compete essa responsabilidade. “Um dono de um imóvel particular que é tombado e reconhecido como patrimônio cultural pode, se comprovada sua impossibilidade de preservá-lo, solicitar à Prefeitura que faça uma reforma”, explica Dudu Braga.

Critérios e iniciativas

A Fundação João Pinheiro é quem calcula o valor de repasse do ICMS aos municípios, com seus critérios que, nesta matéria, deixaremos de lado. O que vale ressaltar foi o salto que Betim deu, nos últimos anos, em pontuação para conquistar mais recursos voltados para a preservação de seus patrimônios culturais.

“Alcançamos um marco histórico na cidade, saindo de oito para 15 pontos na avaliação dos órgãos competentes. Cada vez que você aumenta um ponto, você garante mais recursos. É uma forma de reconhecimento, o financeiro, neste caso, em relação ao trabalho de preservação, de manutenção e de disseminação da relevância do patrimônio público na cultura de nossa população”, esclarece o vereador.

Uma das iniciativas realizadas em Betim, que fortaleceu essa pontuação, é o projeto Educação Patrimonial – Memória Para Todos. “A (extinta) Funarbe levava alunos da rede municipal de ensino para atividades em espaços como a Casa de Cultura Josephina Bento, para assistir a uma peça de teatro. Porém, não era só uma atividade lúdica, era também educacional, cultural, uma vez que os alunos conheciam um pouco da história de um patrimônio público betinense ao adentrarem. Registrávamos e documentávamos tudo. Isso foi importante para a evolução da nota, a partir dos critérios da Fundação João Pinheiro”, conta Braga.

Cultura não só como entretenimento

Para muitos, quando se fala em cultura o pensamento volta-se para o entretenimento, as festas. Tudo bem que isso faz parte, mas cultura é educação em um sentido mais amplo. “Não é a alfabetização, é a história e tradição de um povo. Quando você diz que uma pessoa é ‘sem educação’, isso é cultural. Se alguém joga lixo no chão, é cultural. Se um motorista não respeita uma faixa de pedestre, é cultural”, exemplifica Dudu Braga.

Defensor desta bandeira, a cultura, o vereador traz no sangue o DNA da história de Betim. “A minha família está ligada ao surgimento da cidade, de avós que estavam aqui quando ainda distrito Capela Nova do Betim. Esse legado histórico foi sendo passado de pai para filho e me sinto privilegiado em carregar comigo um pouco da história do município. Defender a cultura, bem como outras bandeiras com as quais me identifico, é uma missão no Legislativo”.

 Tramitação

Em consulta no site da Câmara Municipal de Betim, a partir dos projetos de lei apresentados pelo vereador, pode ser observado que tais iniciativas lograrão êxito. Todos os nove projetos têm encaminhamentos favoráveis por parte do relator, vereador Gregório Silva (PROS); bem como dos membros da Comissão Permanente de Cultura, que está sob a presidência do vereador Zezinho do Carmo (PTB), acompanhado dos vereadores (membros da Comissão) Professor Wellington (PSC), Claudinho (PSD) e Professor Alexandre Xeréu (PROS).

Se tudo caminhar como o esperado, será um gol de placa para a cultura e para a história de Betim.

História dos patrimônios culturais

Conjunto Urbano da Colônia Santa Isabel

A Colônia Santa Isabel representa um testemunho privilegiado da evolução do tratamento da hanseníase no Brasil: do confinamento à tentativa de integração foram várias as estratégias adotadas.

A cidade é vista como um documento da história urbana, cuja leitura deve codificar os significados das marcas impressas no espaço urbano, como uma linguagem a ser decifrada e, sempre que possível, enriquecida.

Santa Isabel era um exemplo a ser seguido, o modelo ideal de instituição, uma utopia moldada na necessidade de resguardar a sociedade frente ao mal da lepra, mas que, ao mesmo tempo, privava os enfermos do direito de exercer a cidadania, isolados da cidade.

Além da infraestrutura avançada para a época, década de 30, foram construídos equipamentos de lazer coletivo como o Cine Teatro Glória e os clubes recreativos. O principal critério norteador da implementação das colônias era a divisão do sítio em três áreas: dos doentes, intermediária e dos sadios.

Capela de Nossa Senhora do Rosário

Situada na Praça Nossa Senhora do Rosário, bairro Angola

Em 1894, inicia-se a construção da capela por meio de despesa realizada pelo vigário Domingos Cláudio Cândido da Silveira, na qualidade de presidente da mesa de Nossa Senhora do Rosário. Em fevereiro de 1897, já se celebravam os atos religiosos. Uma das grandes festas celebradas no local está ligada ao congado: a Festa do Reinado de Nossa Senhora do Rosário, começando no final de julho com o hasteamento das bandeiras das Guardas de Congado, e terminando 30 dias após com a tradicional novena e confraternização das Guardas de Betim. Atualmente, a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Betim é composta de seis guardas do congado, sendo uma tradição da cidade, com a qual sua história se mistura.

Corporação Musical Nossa Senhora do Carmo

Foto: Samuel Gê

Centenária, tradicional e eclética. Essas são algumas características que se podem atribuir ao grupo musical mais antigo de Betim: a banda Nossa Senhora do Carmo. Sua história se confunde com a da cidade, afinal, a mesma foi criada antes mesmo da emancipação de Betim – na época, distrito de Capela Nova.

Fundada pelo padre Osório Braga, em 1898, a banda era quem puxava procissões e participava em festas religiosas. No fim da década de 80, as primeiras formações da corporação foram perdendo força. Para se renovar, recebeu alunos novos.

Usina Hidrelétrica Dr. Gravatá

Teve seu funcionamento definitivo em 1914, construída pelo Estado de Minas Gerais e pela empresa Schnoor, que incumbiu ao engenheiro-chefe era Antônio Gonçalves Gravatá a missão de conduzir os trabalhos, bem como de construir a Estação Ferroviária Capela Nova. Baiano de Salvador, viveu em Betim por 10 anos, tido como figura carismática e bem quista socialmente.

O potencial hidrelétrico do Rio Betim, com queda d´água favorável (cerca de 80 metros em sua porção final), foi importante para execução de tal empreitada. A produção de energia, na época, era capaz de não só iluminar o distrito de Capela Nova, mas também oferecer energia à cidade de Divinópolis e, posteriormente, Contagem.

Sua capacidade era de 250W, em corrente trifásica com 6.000 volts de transmissão; capacidade de queda de 4.800 cavalos. Sua instalação se deu na Fazenda Cachoeira. A desativação ocoreu na década de 50, quando a Cemig instalou uma distribuidora de energia em Betim.

Foto: Casa de máquinas da Usina Hidrelétrica Dr. Gravatá – Arquivo/PMB

Museu Paulo Araújo Moreira Gontijo

Localização: av. Amazonas, bairro Centro

O prédio era o antigo Colégio Comercial Betinense. Ocupa um lugar importante dentro da história da cidade e na memória dos munícipes. Foi neste equipamento que, nos idos de 1910, funcionou o Grupo Escolar de Capela Nova do Betim – um dos marcos do desenvolvimento da cidade, juntamente com a construção da ferrovia, na região do vale do Riacho das Areias.

A inauguração do Grupo, em 17 de julho de 1910, reuniu a elite local e funcionou até a década de 60. Além da importância histórica, está localizado em ponto estratégico, bem no coração da cidade. A edificação traduz a vontade de ser cidade que o distrito de Capela Nova já expressava na luta pelo direito a um grupo escolar.

Casa da Cultura Josephina Bento

É considerada a edificação mais antiga de Betim. De acordo com avaliação do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (IEPHA-MG), sua construção se deu no século XVIII. Está localizada no entorno da Praça Milton Campos. Edificada inicialmente em pau-a-pique (pau e estrume de vaca) e traz as marcas das construções da época dos bandeirantes. A casa foi usada a princípio como pousada de tropeiros que vinham de Goiás e São Paulo em direção a Sabará e outros centros de mineração.

De acordo com a geógrafa Terezinha Assis, consta na justificativa do Projeto de Lei, a posição estratégica do então arraial, situado entre a região mineradora do Rio das Velhas e as minas de Pitangui, fez com que um posto de troca das tropas fosse instalado no local, além de favorecer o desenvolvimento agrícola como fonte de abastecimento das áreas de mineração.

Ao longo de sua história, recebeu outros usos comerciais e até mesmo uma mercearia já foi. Em 1984, o imóvel foi desapropriado pela Prefeitura, já visando a instalação em seus domínios da Casa da Cultura. O nome homenageia Josephina Bento, uma das primeiras professoras de Betim.

Mercado Central de Betim – Centro de Abastecimento de Betim (CEABE)

Situado na rua Amin Fares Debian, bairro Centro

São 41 anos de existência. Nasceu com a finalidade de ser um centro de distribuição interna dos produtos locais. Idealizado pelo então prefeito Osvaldo Franco, que pensou em concentrar ali a produção rural do município. Ponto de comércio diversificado, desde frutas e legumes a carnes, ervas medicinais e produtos manufaturados. Aos finais de semana, torna-se um espaço de socialização com ações culturais, musicais e comida boa.

Foto: arquivo PMB

Capela de São Sebastião

Situada na rua Treze de Março, bairro Amazonas

A Capela de São Sebastião do Bairro Amazonas é considerada o marco inicial da urbanização nessa região. Foi construída nos anos 1940, no interior da Fazenda Batatal, por iniciativa da própria população. Sua arquitetura é considerada vernacular (popular), com traços de inspiração barroca e eclética / neogótica. Muitas capelas populares do interior de Minas Gerais apresentam essas características e umas inspiram a construção das outras.

Joaquim Soares Diniz, o Joaquim Reginaldo, é a liderança mais citada pelas fontes orais como responsável pela construção e a teria feito em pagamento de promessa pela volta de seu filho da 2ª Guerra Mundial. Durante o processo de construção, a Fazenda foi desmembrada em glebas menores e o terreno onde fica a Capela coube ao próprio Joaquim Reginaldo, que efetuou sua doação à Igreja.

O processo de tombamento da Capela de São Sebastião é considerado um marco nas políticas de proteção ao patrimônio cultural em Minas Gerais. Nas últimas décadas, a Capela vem sediando as reuniões dos grupos religiosos organizados na comunidade, como o apostolado da oração, missas especiais e casamentos.

Foto: Arquivo Funarbe/PMB

Estação Ferroviária Capela Nova

A Estação Ferroviária de Betim foi inaugurada em 01 de julho de 1911, quando o município ainda se chamava Capela Nova de Betim. Fazia parte da Estrada de Ferro Oeste de Minas, no ramo que ligava Belo Horizonte à atual Divinópolis. Em 1957, com a criação da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), foi incorporada a esta.

A construção desse trecho da ferrovia, que acompanhou o vale do Riacho das Areias e do Rio Betim, deslocou o eixo de crescimento do Arraial da Capela Nova de Betim – que estava voltado para o sul, em Bandeirinha; e para o norte, aos fundos da antiga Matriz.

O estilo arquitetônico da estação atesta influência inglesa, semelhante a outras estações construídas à mesma época, inclusive aquelas de regiões próximas a Betim. Os trens e as edificações a eles associadas têm na Inglaterra o seu berço, daí essa influência.

Foto: Cris Freitas

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